<$BlogRSDUrl$> Meu humor atual - i*Eu

terça-feira, outubro 29, 2002

Não tenhas medo de mim. Eu só preciso de ti. E basta dizeres "chega" para que eu me afaste e não volte sequer a telefonar-te. Acredita. Não tenhas medo de mim. Esta aflição não é de agora, tu não tens culpa de nada. Se quiseres podes encostar a tua cabeça no meu peito e chorar todas as lágrimas. Eu choro sozinha, eu sou corajosa. Tu não tens culpa de nada, sossega. Tu chegaste muito tarde, só agora. E o primeiro beijo ja foi há muito. Não espero nada. Nem em sonhos. A única coisa que acontece é isto continuar sem que eu saiba como, e eu sei que nem o teu amor, se ele existisse, me poderia salvar. Eu não preciso de ti. Eu só preciso de ti. Não tenhas medo.
A culpa é minha. Não tive cuidado. Julguei que o amor era outra coisa. Acreditei nas palavras que me disseram. Ninguém me disse que era preciso ter cuidado. Acordamos de manhã, abrimos os olhos, reconhecemos o quarto em que vivemos. Quando me entreguei foi para sempre. Não tive cuidado. Levaram-me para longe do meu quarto. Disseram-me:"O mundo é todo teu, agarra-o" e eu acreditei que assim era. Que bastava estender uma mão, suspirar um desejo, que o tempo existia por estar á minha espera. O meu amor estava dentro de mim e ninguém tinha morrido. Eu própria me julgava imortal, tive a certeza, enquanto o mundo abria as suas janelas, uma a uma, para que o contemplasse. O mundo e eu, nós dois, e o meu amor que os ligava. Agora poder parecer estranho, mas então nada era estranho. Eu era uma alegre criança cheia de vontade de viver. Não era preciso ter cuidado.
Não foi de repente que tudo mudou, que fiquei aflita, nesta aflição em que me sufoco. Eu demorei muito tempo a acreditar nas coisas simples, em coisas que toda a gente sabe desde sempre. A maldade, por exemplo, parecia-me incompreensível e por isso necessariamente inexistente. E o ciúme, e a inveja, e a mentira e a traição, sim a traição foi o que mais me doeu sempre. Não sei porque foi assim. Porque teve de ser assim. Porque tem de ser assim sempre. Nem julgo que alguém saiba. Ainda me repetem que insisto em continuar a ser uma criança, que o mundo é muito árduo, que é por minha inteira culpa de cada vez que me engano. Riem de mim. Eu engano-me tanto.
Aprendi que a vida se constroi para além da nossa vontade. Que não caminhamos sobre terra firme, mas sobre água que os nossos rastos confude e apaga. Que as minhas palavras fogem de mim para longe, mal são ditas, se separam. Que o mundo que me ofereciam era vazio e silencioso e triste. Que a morte caminha, passo a passo, ao nosso lado. Não foi de repente, foi quando, pouco a pouco, me deixaram, me traíram, me mentiram e eu decidi vingar-me. Foi a pior coisa que me fiz. Foi de mim que me vinguei. Não julgues que foste tu. Tu não tens culpa. Só vieste lembrar-me o que não pude esquecer. É tarde agora.
Agarro com força a pequena almofada que tenho entre os braços e penso em ti. Não sei nada. Vens a mim ao de leve e depois largas-me. Não sei nada. Para te ver a cara tenho de te surpreender em movimento, fechando uma janela, calçando um sapato, saindo do carro. Tu não eras que eu esperava que fosses. Estamos sempre a imaginar isto e aquilo e sempre a confudir isso com o que está para vir e vem de outra maneira. Eu pelo menos. Eu tenho uma vontade enorme de te dizer tudo numa só palavra e depois ficar calada, não dizer mais nada. Eu quero que sejas só tu a saber. Eu tenho a infinita certeza que me estás a ouvir, não sei como. Há aqui qualquer coisa de mágico.
E de repente tudo se desfaz. Não posso deixar de te dizer que não te quero a meu lado, nem por perto. Que de repente há um barulho em que as palavras se transformam, assustadoras, que quero ficar sozinha, longe de ti, como agora, muito longe aqui fechada, agarrada á almofada pequena. Tu não és o primeiro. És só outro que vem para me roubar de mim. Acredito que com a melhor das intenções, sem qualquer maldade. A maldade vem depois quando já não se aguenta de outra maneira e dói por todo o lado e nos tornamos iguais áqueles que detestamos. Os outro são como nós. Tu também és como os outros. Um que passa. De cada vez mais lentamente, é certo, com mais dor, da pior maneira. Tu não és o primeiro, nem sequer o último que provoca em mim esta paixão de que só eu sou culpada. A paixão que é minha, que me arrasta, me arrassa. Digo-te isto tudo porque sei que não podes ouvir-me. Minto-te porque não sei encontrar a verdade. Sofro sem de mim ter piedade. Eu mereço aquilo que te faço, engano-me com o amor, sem desculpa.
Sei que fui a chamar-te. Estava aflita. Lembrei-me de ti e disse-me: vais ser tu a livrar-me desta aflição. Não sei porquê. Talvez porque já tivesse tomado outras medidas, feito outros esforços sem qualquer resultado. Talvez porque soubesse que tinhas de ser tu por assim o ter decidido. És tu, vais ser tu, tens que ser tu. E no principio parecer dar resultado. Telefonei-te para dizer que precisava de estar contigo e tu vieste a correr, como um menino. Não devias, mostraste-me outra vez esse estranho poder. Não esperei que fosses bonito mas a tua voz por detrás de ti encantava-me. O teu sorriso lembrava-me por vezes a serenidade de um anjo. Serviste-te de mim como quem bebe um xarope, pela garrafa. Ao meu colo tu eras um menino a choramingar por ter partido um brinquedo. Essa rapariga por quem sofrias nunca existiu senão como personagem de um livro. É assim que o sinto. E assim que mo fizeste sentir e é so isso que importa, é disso que se trata. Aliás, era dificil distinguir em ti o que fazia parte deste mundo, do outro onde te protegias, te escondias, te fazias passar por quem não eras. Falo-te com raiva porque já não te sirvo de remédio e tens de contrar outro mais forte e não é fácil.
Sou facilmente magoada. Sou facilmente usada. Deixo-me usar. Contigo ainda foi pior. Porque tudo parecia ser como não era. Para ti eu era material de literatura. Até podia parecer que estávamos bem um para outro. Sim, arranjaste todas as desculpas para me teres e para me deixares. Para saíres da cama e assobiares. Eu servi-te de tudo. Mas sobretudo de desculpa para continuares quando não encontravas vontade ou razão ou motivo para continuares. Fui a tua desculpa. Foi então que encontrei aquilo que me alivia. Não te culpo disso. Se não fosses tu, seria outro. É uma dor antiga que volta sempre. É uma dor que só pode ser expulsa por outra maior. Sou responsável por tudo o que me faço. Desculpa-me dizer-to. Tu não tens culpa. Foste só um a passar. Doeu como dói sempre. Nada assim de tão particular. És um menino ao meu colo que se cansou e adormeceu. Gosto de pensar assim em ti. Dorme agora.


Está tudo dito.
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